quinta-feira, 22 de abril de 2010

ALÉM DOS OLHOS PÚBLICOS

ALÉM DOS OLHOS PÚBLICOS
Introdução ao ensaio aberto de “Drácula”


“Segredos sempre são revelados. Mistérios nunca são desvendados”.
(Paulo Coelho, Roda Viva, Tv Cultura. Década de 90).


Passei os últimos dias de 2008 e inicio de 2009 (pra ser mais exato: de 30/12/08 a 09/01/09) adaptando “Drácula” para teatro por não ter nada pra fazer. Dificilmente passo o final de ano com alguém, e a solidão nesta época do ano me é muito atraente.

No inicio de 2009, comentei no bar do Didi/Chicão sobre a adaptação. Tiago Araújo gostou da idéia e ofereceu-se para Jonathan Harker, enquanto sua esposa Isis faria Mina Murray. Já imaginamos Nando Z de Renfield, Hayashi de Drácula, Marcos de Van Helsing, Clara de Lucy, e assim por diante. A idéia era bacana, um espetáculo único: a mais nova geração artística de São Miguel unidas em um evento único!

É claro que não foi longe. Cada um dedicou-se ao seu trabalho (G.R.A.ve. tocou suas músicas, Tiago publicou seus textos, o AD criou “Medéia”). Mas Drácula não saiu de minha mente. Pensei no processo artístico acontecendo em junho de 2009 para ter o espetáculo em cena em Outubro e aproveitar a festa do dia das bruxas. Mas a pesquisa estava apenas no começo.

Pesquisando na NET, conheci o trabalho de Michelle Bittencourt, uma pequena notável lá de Pernambuco. Criamos um laço forte de amizade digital e cruzamos noites conversando por MSN sobre vampiros, estudos e música. Este contato muito me incentivou realizar o PROCESSO ARTISTICO DRÁCULA. Com o aval e o apoio de Marcos “Fersil” Antonyo e Clara Barbosa, comecei a planejar e captar materiais. Alexandre Tavares ajudou-nos com a pesquisa filmográfica e me presenteou com o Drácula de Bela Lugosi. Ligia Martinez passeou comigo pelo centro de São Paulo e conseguimos – depois de muita procura e garimpagem – alguns títulos da Hammer com Christopher Lee (e ela ainda me conseguiu o de 58 via Internet). O de Copolla chegou depois, direto da Fnac, onde eu e Anita achamos a peça rara.

Dezembro de 2009.
Divulgamos o processo artístico via Internet. Apareceram mais de cem interessados. Após uma carta aberta para dispensar modelos e estrelas com ilusões globais em janeiro de 2010, a centena caiu pra dezenas. Cinquenta inscritos. Trinta confirmados. Dezessete presentes.

O primeiro a chegar foi André Orbacam. Uma hora adiantado. Chegou jogando limpo: “Vim pra tentar fazer o Van Helsing.” Orbacam, apesar dos 27 anos, já é um veterano vivendo de sua arte e com suas concepções artísticas bem estabelecidas. Pouco depois, Luara Sena chega de mala e cuia na oficina, direto da Bahia. Um encanto a menina, de cara. Comunicativa, extrovertida, carismática. E todos foram chegando.

Dos conhecidos, Grasiela Bonci – contadora de história nata, que descobri num sarau de Suzana Diniz (antes, ela era apenas uma colega de turma. Eu nem imaginava seu talento, e muito menos o carinho e amizade que nos aguardava); Ingrid Conrado estava na seleção de um vídeo clipe que Alexandre D’lou estava dirigindo e me convidou para fazer a preparação dos atores. Thays Soares havia sido aluna minha na Keila, muito talentosa, e sentia o desejo de estar sob minha direção novamente. Juliana Neves conheci nas noites de Quebra Facão. Havia feito um curso de clown e estava por aí, metendo as caras nas portas abertas e, por fim, Anita Abrantes, que conheci semanas antes, e estava no grupo para auxiliar na produção de Medéia.

Dos ilustres desconhecidos, Anthéia Ligia: jovem e exótica, com uma inteligência rara. Pamella Fersá diretamente de Osasco. Chegou as 20h30 com um sorriso iluminador no rosto, exalando beleza e sensualidade:
“Claudemir Santos?”
“Sim.”
“Pamella Fersá. Prazer.”
Foi só vê-la, já soube que ela seria minha Lucy. E, por fim, Michelle Dias. Já a conhecia de vista; havia participado de algumas oficinas na Luiz Gonzaga. O plano era tê-la como figurinista, mas ela bem que quis tentar um personagem, e eu achei ótimo!

Haviam outros participantes. João Marcos Godoy, Andressa Francelino (cidadã do mundo, bacharelada em teatro que causou laços de amizades conosco), Ataliba Chateaubriand (veio uma vez e nunca mais!), Karina Freitas (do curso de Clown, amiga da Juliana), Nicole Costa (que também estava no vídeo clipe de D’Lou), Daniela Oliveira (prima de Isa Diaz, atriz do AD) e Cibele Carvalho.

Do processo, apenas Ataliba desistiu. Dos dezesseis, catorze foram selecionados para o espetáculo. Dos catorze, dez ficaram: Juliana Neves, André Orbacam, Luara Sena, Antheia Ligia, Pamella Fersá, Grasiela Bonci, Anita Abrantes, Michelle Dias, Ingrid Conrado e Thays Soares.

Completando o time, a fantástica Renata Teixeira registrando quase tudo com sua objetiva e Alexandre D’Lou registrando em vídeo alguns de nossos momentos. Mais atrás, porém não menos importante, Tarcisio Hayashi na trilha sonora, apoiado por Nando Z e Rodrigo Marrom, todos do grupo G.R.A.ve.

Para Clara, Marcos e eu, uma nova página do AD começava a ser escrita. Para quem chegava, uma nova estrada estava à frente.

Não foi fácil. Temos uma maneira peculiar de trabalhar. Deixamos a criatividade fluir fugindo dos rótulos, criando por conta própria pra depois socializar a criação. Ágeis, temos o habito de fazer duas ou três coisas ao mesmo tempo. As pessoas se perdem, estranham, acham que algo está errado. Mas nada há de errado. Alguns pegam nosso jeito, outros esperneiam. Não adianta. A casa é nossa e a parede será desta cor. E então, quando boa parte do elenco aprende isto, damos o pincel e uma paleta de cores para cada ator.

Evoluções acontecem. Namoros, paixões, amizades acima de tudo. Uma aventura e tanto o teatro, enfim. Após os ensaios, há as bebedeiras nos bares de sempre. Há dormida e comida nas casas uns dos outros. Segredos são revelados; dores, divididas. Inferno: esses merdas estão se tornando amigos! Daqui a pouco seremos uma família, quer ver?

Nos ensaios, cada um tem seu momento de nervosismo, esporro, reclamação, descontração e criação. Entre Ingrid e Juliana, é difícil definir quem interpretará Drácula. André está louco pra saber. Eu, Marcos e Clara nos divertimos. Vamos definir o Drácula só na estréia? E é quase isso que acontece. Escolhemos Juliana em primeira instância. Ingrid, num momento de rara nobreza aplaude a “concorrente” em sua alma, mas sua boca me diz que deveria ter se dedicado mais. Merece um abraço, a menina: se dedicou ao máximo e, se não ficou com o personagem, foi por uma questão de estética e de tempo. Aos que não sabem, ela tem 16 anos e fez apenas um curso de teatro antes: se saiu melhor que muita gente e, não duvido, tem um futuro promissor pela frente. Eu aposto todas minhas fichas nela!

Eu, particularmente, aprendi muito vendo Marcos dirigindo os atores enquanto eu me preocupava mais com a estética do espetáculo. E até mesmo a Clara descobriu-se mais artista do que pensava ser: orientando cenas como as da noiva e de Arthur, mostrou-se sensível e inteligente na direção de atores.

Nos mais, houveram falhas, raivas e discussões, sobretudo por causa de tempo ou de visões sobre este ou aquele momento. Assimilamos tudo e transformamos nosso conhecimento em algo maior. Devo ressaltar aqui André e Pamella, cuja colaboração com os outros atores e com as soluções cênicas estiveram muito presentes durante os ensaios. Anita também surpreendeu a todos quando encarou Quincey Morris e o fez melhor que o ator que desistiu do papel por motivos de saúde em família.

Assistindo aos últimos ensaios, Renata Teixeira achou o máximo e escreveu um texto animador aqui no blog. No dia seguinte, Hayashi entregou mais músicas para a trilha sonora do espetáculo. Nando Z oferece o carro e a alma caso a gente precise e Alexandre Tavares faz vista grossa para a dívida de fotocópias que fizemos em seu estabelecimento, assim como Sacha Arcanjo também faz o possível e o impossível para que possamos concluir o espetáculo.

Sim, são muitas pessoas colaborando conosco. E isto tudo além dos olhos do público, que terá como informação apenas o espetáculo em si. Senhores, o espetáculo é muito pouco se comparado com toda a estrada que percorremos para chegar até aqui.

Amanhã, 24 de Abril, acontece um ensaio aberto. Ensaio mesmo: o espetáculo não está concluído, e o ensaio hoje foi longo e exaustivo. Ninguém fez corpo mole. Houveram caras feias, piadas, acidentes em cena, tratamentos de choque,... ufa!

Paramos depois das dez da noite. Cronometrei uma hora e vinte de espetáculo, mas pensei que havia sido menos: terror, humor, romance e aventura tão bem mesclados que não nos deixam dormir e nos fazem perder a noção do tempo. O espetáculo está ficando bom, graças a Deus!

Por fim e, no entanto, temos muito ainda que melhorar, na verdade. A dedicação de Marcos me causa admiração – depois que a esposa ligou, foi embora. Já em casa, liga duas vezes: uma para dar mais orientações a Michelle Dias, cuja atuação ele quer que melhore. Outra, para saber sobre a fonte utilizada no logo do espetáculo – ou seja: foi para casa e dedicou-se à produção do espetáculo.

Todos estão empenhados de corpo e alma, prezado público. Estamos longe da perfeição, além dos olhos do público, mas muito próximos da Arte.

Sejam bem vindos ao nosso ensaio aberto – e deixem algo de bom assim que saírem.

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