segunda-feira, 22 de março de 2010
“O ator deve trabalhar a vida inteira, cultivar seu espírito, treinar sistematicamente os seus dons, desenvolver seu caráter; jamais deverá desesperar e nunca renunciar a este objetivo primordial: amar sua arte com todas as forças e amá-la sem egoísmo.”
(Stanislavski)
Olá, pessoas.
O espetáculo começa a firmar o passo, e isto é bom.
Mas ainda sinto falta de um entendimento mais profundo do universo do espetáculo.
Algumas pessoas estão lendo o livro e começam a compreender melhor algumas cenas e até dão sugestões construtivas para a peça.
No entanto, a incompreensão de algumas propostas ainda está palpável.
Pensando em melhorar a proximidade entre vocês e o universo de Drácula, sábado, após os exercícios de Luara Sena e Thays Soares, farei uma introdução à semiótica, que facilitará - e muito - na construção do personagem e no entendimento do espetáculo.
Peço que leiam a apostila que segue anexo e, se possível, que ela seja impressa e levada no próximo sábado. Haverão dúvidas, bem sei. Semiótica, de inicio, parece algo complicado. Não se afobem. Anotem dúvidas e tragam por escrito.
O Marcos também postou um trecho do livro de Stanislavsky no blog, quem ainda não leu, faça-nos o favor. Enquanto não falarmos a mesma língua, a concepção do espetáculo não será possível.
O roteiro também precisa ser lido, compreendido e memorizado. Acho que já passou da hora, né, pessoas? Temos mais um mês de ensaio, não dá mais pra ensaiar com texto na mão. Leiam o texto, nem que seja 5 minutos por dia, e leiam sempre com novos olhos, descubram coisas novas, aprofundem a visão dos personagens e sua importância dentro do universo da peça.
Boas leituras e uma ótima semana a todos!
"O que é ser ator? Um gravador que decora o texto? Uma vitrola que repete a fala? Um cesto de clichês confeccionados na inexpressividade do cotidiano? Um instrumento que, noite após noite, simplesmente reproduz as mesmas falas e marcações?"
(Jâno - Antonio Januzelli)
"Se você estiver em busca de alguma coisa, não vá sentar-se na praia à espera de que ela venha ao seu encontro. Você tem que procurá-la com toda a sua obstinação".
(Stanislavski)
ENGATINHANDO EM PEIRCE ATRAVÉS DE SANTAELLA (resenha realizada por Claudemir Santos)
Buscando uma explicação simplificada sobre um tema tão complexo, Lúcia Santaella nos oferece um pequeno volume cheio de desafios a cada página, criando imagens com palavras e apresentando a Semiótica peirciana de forma bem original e, evidentemente, instigante.
Seu primeiro gesto, após uma introdução bem humorada, é diferenciar Língua e Linguagem: significados tantas vezes confundidas em nossas mentes. E então, após entendermos que a língua está ligada à lingüística, e nada mais é que uma linguagem entre tantas outras verbais e não verbais; e que a Semiótica é a ciência que estuda todas as linguagens existentes, ela nos entrega de bom grado uma breve biografia de Charles Sanders Peirce.
O estudo sobre a Semiótica; “a mais jovem ciência a desapontar no horizonte das chamadas ciências humanas”[15], iniciou-se simultaneamente em três localidades: EUA, na antiga URSS e na Europa ocidental. A autora nos oferece em seu trabalho suas considerações sobre os estudos de Peirce, conhecidos como Semiótica lógica ou perciana (15). Após apresentar a vida do autor e seu contato direto com sua obra, ela relata a possível ousadia de seu objetivo: “traduzir para um nível de compreensão simples a visão geral de um pensamento e uma teoria que pulsam em complexidades e desbordam de muito o campo mais estrito de minha própria capacidade”. (22) Santaella sabe que pode deixar lacunas em seu breve estudo, mas ela acredita que toda a grande descoberta científica, todo o conhecimento, deve ser distribuído por igual a todos da espécie humana; e não apenas a certos grupos ou classes. (22)
Deste ponto em diante, Santaella começa lançar a luz de seus estudos para iluminar nossos primeiros passos em direção aos signos. “Para se ler o mundo como linguagem” é um capitulo no qual deixa claro que: apesar de Peirce considerar qualquer produção, realização ou expressão humana uma questão semiótica, não significa que a Semiótica seja uma ciência onipotente. Ela é apenas parte de um sistema, e funciona em função do mesmo.
O sistema filosófico criado por Peirce tem sua própria “arquitetura classificatória” das ciências e suas relações. Após estruturar seu próprio sistema e localizar, nele, a Semiótica, Peirce organizou as formulações anteriores e deu continuidade ao trabalho.
Para ele, o mundo está em expansão: tudo ainda encontra-se em transformação, até mesmo as leis da própria natureza. Assim, não existem princípios absolutos; todos são passiveis de falha; todos estão evoluindo gradualmente, em desenvolvimento contínuo. A esta teoria, Peirce daria o nome de Falibilismo.
O termo fenomenologia ou phaneroscopia, só foi empregado por ele em 1902, apesar desta preocupação estar presente em suas pesquisas desde 1867. Através das considerações sobre este termo, Santaella nos conduz ao capítulo “Abrir as janelas: olhara para o mundo”, onde os fenômenos são iluminados. Segundo Peirce, a fenomenologia seria “a descrição e análise das experiências que estão em aberto para todo homem, cada dia e hora, em casa canto e esquina de nosso cotidiano”(32). Ou seja, qualquer manifestação mental é um fenômeno, seja esta manifestação real ou uma fantasia criada interior ou exteriormente.
Há algumas categorias gerais para que possamos classificar todos os fenômenos mas, para que possamos utilizá-las, são necessárias o desenvolvimento de três faculdades: capacidade contemplativa, capacidade de distinção e capacidade de generalização das observações em classes ou categorias abrangentes.
No início, Peirce tentou classificar os fenômenos através da análise material, mas a infinidade de materiais mostrou ao pensador que a idéia era praticamente inviável. Foi através de observações que Peirce chegou às três propriedades que correspondiam a três elementos formais de qualquer experiência. Em um primeiro momento, ele denominou as categorias como: 1)Qualidade, 2)Relação e 3) Representação. Depois, realizou modificações nos termos, ficando: 1)Qualidade, 2)Reação e 3) Mediação. E, enfim, Peirce denominou-as como: 1) primeiridade, 2)secundidade e 3) terceiridade. Estas categorias são os três modos possíveis de manifestação de fenômenos em nossa mente, ou, como diz Santaella: “modos de operação do pensamento-signo que se processam na mente (...) camadas impenetráveis e, na maior parte das vezes, simultâneas, se bem que qualitativamente distintas”(42).
Em seguida, a autora descreve as três categorias de forma quase lírica, poética, por mais cientifico que possa parecer. Para explicar os significados de cada “estação”, Santaella utiliza a lingüística para criar fenômenos aparentemente comuns mas, ao mesmo tempo, tão indescritíveis, que não vejo razão para tentar simplificar os exemplos da autora. No mais, a classificação dos paragráfos acima, nos dão uma pista do que sejam estas instâncias peircianas – e adiante retorno ao tema, esclarecendo melhor as denominações de Santaella e Peirce.
E a única conclusão possível para o capítulo é a percepção de que um signo fatalmente levará a outro, da mesma forma que usamos uma palavra para explicar outra, num processo sem fim em busca de algo guardado no infinito.
“Para se tecer a malha dos signos” mostra a Semiótica peirciana como Lógica, e não uma ciência aplicada. Sendo Lógica, ela pode ser utilizada em qualquer ciência aplicada, possibilitando a definição do signo.
Santaella nos diz que “o signo é uma coisa que representa uma outra coisa: seu objeto” (58). Assim sendo, o signo não é o objeto, mas sim, sua representação e, se é representação, só pode representar para um interpretante, com o qual estabelece uma relação. Após estas definições, a autora nos esclarece que, de fato, o signo possui dois objetos e três interpretantes.
O objeto imediato, algo dentro do próprio signo, diz respeito ao modo como o objeto dinâmico, aquilo que o signo substitui, está representado no signo, tal qual um quadro representa uma paisagem e um som ou uma grafia representa uma palavra.
O interpretante imediato é aquilo que o signo pode produzir em uma mente interpretante – e aqui a autora não está falando do que o signo efetivamente produz, mas do que pode produzir, dependendo da habilidade interpretativa do interpretante, o que nos levaria ao interpretante dinâmico, onde o signo atuará conforme sua natureza e seu potencial como signo.
Há, também, o interpretante dinâmico, que funciona como uma resposta ao signo, como uma ordem recebida por alguém com autoridade sobre nós.
O interpretante em si é aquele que traduz o signo recebido em outro signo da mesma natureza. Um signo lógico, “de lei”, convencional. “Assim, a palavra ‘casa’ produzirá como interpretante em si outros signos da mesma espécie: habilitação, moradia, lar, etc...” (61).
Dada esta divisão, Santaella classifica os signos através de forma triádicas. Segunda a autora, foram estabelecidas dez tricotomias, ou seja, “10 divisões triádicas do signo, de cuja a combinatória resultam 64 classes de signos e a possibilidade lógica de 59.049 tipos de signos”(62). É claro que Peirce não explorou todos estes tipos, deixando esta tarefa para futuros exploradores, mas ao menos dez divisões triádicas foram elaboradas. A autora apresenta as três que Peirce explorou mais minuciosamente:
SIGNO 1º EM SI MESMO
SIGNO 2º COM SEU OBJETO
SIGNO 3º COM SEU INTERPRETANTE
1º quali- signo Ícone Rema
2º sin-signo Índice Dicente
3º legi-signo Símbolo Argumento
É óbvio que a numeração diz respeito a denominação do fenômenos descritos acima. Assim sendo, o quali-signo diz respeito a qualidade pura; algo que surge em primeira instância, e não fuciona como objeto porque “qualidade” não representa um objeto, e sim o apresenta, deixando aberta a possibilidade para criar um objeto possível. Por isto, já que a qualidade apresenta, o objeto só pode ser um ícone, uma possibilidade qualitativa. Sendo um ícone o signo, ele só pode gerar impressões, possibilidades, hipóteses: um rema.
A partir do momento em que o fenômeno é apresentado de forma material, no aqui e agora, sendo algo existente concreto e real, fazendo definitivamente parte do universo ao qual pertence, ele é um sin-signo. E, assim, sendo, funciona como índice, algo que se conecta a algo que está ligado a ele. Logo, o único caminho possível para o interpretante é a contastação de algo físico e existente, de um raciocínio, um signo de existência concreta: um dicente.
Sobre as tríades ao nível de terceira idade, o signo é de lei quando comparece a si mesmo: legi-signo. Sendo uma lei, o signo é um símbolo; seu poder de representação é portador de uma lei que determina que o signo representa seu objeto. Sua idéia é abstrata, representando o máximo sem particularidades, abrindo espaço para argumentação, o uso das palavras para definições.
As tríades peirceanas funcionam como um mapa, uma guia para nossa locomoção no terreno da Semiótica, capaz de abrir nossos olhos para uma interpretação mais aprofundada dos signos, permitindo descrição, análises e interpretação de linguagens.
Por fim, Santaella nos apresenta de forma sucinta e breve outras vertentes da Semiótica – uma da antiga União das Repúblicas Socialistas Soviéticas e outra de Genebra – e uma bibliografia para quem deseja se aprofundar no tema.
A impressão que fica do livro é a de que algo falta ser completado e há uma ansiedade para que isto aconteça. Me remete muito ao primeiro capítulo do mesmo, no qual a autora dá uma resposta provocadora e instigante a um aluno curioso em um seminário. O pequeno volume aguça a curiosidade e o desejo de conhecer mais profundamente o universo dos signos e seus significados.
“Desse modo, o que a Semiótica peirceana (Semiótica geral, teoria dos signos em geral) nos trouxe foram as imprescindíveis fundações fenomenológicas e formais para o necessário desenvolvimento de muitas e variadas Semióticas especiais: Semiótica da linguagem sonora, da arquitetura, da linguagem visual, da dança, das artes plásticas, da literatura, do teatro, do jornal, dos gestos, dos ritos, dos jogos...e das linguagens da natureza... Nessas Semióticas especiais, que tem por função descrever e analisar a natureza específica e os caracteres peculiares de cada um daqueles campos, brotam necessariamente as práticas de aplicação, isto é, as atividades de leitura e inteligibilidade dos mais diversos processos e produtos de linguagem: um poema, um teorema, uma peça musical, um objeto utilitário, uma praça pública, um rito, um discurso político, uma peça de teatro, um filme, um programa de televisão, um ponto de luz, uma nota musical prolongada, o silêncio.” (71)
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário