sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

PSICANÁLISE E A CONSTRUÇÃO DO PERSONAGEM







Sexta feira 12 de fevereiro, durante a aula de interpretação e construção de personagem, citei o aparelho psiquico de Freud. Devido ao interesse dos atores presentes, publico aqui a apostila sobre psicanálise, que muito pode contribuir com a construção do personagem, seu entendimento e sua interpretação. Entender o aparelho psiquico e localizar os mecanismos de defesa utilizados pelos personagens em suas cenas é um rico exercício de construção. Bom estudo a todos!

Psicanálise: A ciência do inconsciente

“Há coisas que não são verdadeiras, que ainda não tem o direito de ser,
mas que poderão ser amanhã...”
(Carl Gustav Jung)

O que é Psicanálise?
A psicanálise é uma doutrina criada por Freud no fim de século XIX, para tratamento de distúrbios mentais. Os estudos de Freud se basearam nas observações que processou tanto em seus pacientes com distúrbios mentais como em pacientes normais, concluindo que o comportamento humano é orientado pelo impulso de prazer. A esse impulso de prazer Freud chamou de libido, palavra feminina que significa prazer ou desejo. A libido opera em nossa personalidade em: objetos e pessoas (libido objetal), no próprio corpo (libido narcisista) ou, ainda, para alimentar as próprias atividades intelectuais (libido sublimada).
Freud alegou que as causas dos distúrbios mentais, com neuroses, psicoses, são conseqüências da libido, que é uma força de grande penetração em nossa personalidade.
Desta maneira, a Psicanálise, que é um método criado por ele, tem por um objetivo curar esses distúrbios mentais, através de uma análise psicológica profunda do paciente; por isso, é também conhecida como a “ciência do inconsciente”.
O inconsciente é objeto da psicanálise. Ele contradiz a experiência que cada um tem de si mesmo e da sua intimidade. Freud põe o problema da existência de um psiquismo inconsciente, isto é, de um outro eu que fala em nós, que pensa dentro de nós e que nenhum voltar reflexivo sobre si mesmo, pode esclarecer ou dominar.
O inconsciente é o produto do discurso científico, mas de um discurso original. De fato, Freud insistiu em que a única experiência do inconsciente, que é totalmente convincente, resulta na relação analista – analisando. É na análise que se descobre, sem dúvida possível, a necessidade do inconsciente. A aceitação puramente intelectual e a aprovação unicamente teórica são, de fato, formas de resistência contra o inconsciente.

Quem é Freud ?
Sigmund Freud nasceu a 6 de maio de 1856, em Freiberg, na Morávia.Seus pais eram judeus e ele permaneceu judeu.Com quatro anos de idade foi levado para Viena onde fez todos os seus estudos. Ele próprio confessou que, quando criança, era “movido principalmente, por uma espécie de sede de saber, que se relacionava com mais relações humanas do que com os objetos próprios das ciências naturais, uma sede de saber que, aliais, ainda não reconhecera o valor da observação com meio principal de satisfazer-se”. A Universidade, na qual entrou em 1873, casou-lhe de imediato algumas decepções. Deparou-se com o anti-semitismo. Foi no laboratório de filosofia de Enerst Brücke, onde trabalhou de 1876 a 1882, que encontrou, finalmente, alguma satisfação. Brucke confiou-lhe uma tarefa relativa á histologia do sistema nervoso. Freud obteve o grau de doutor em medicina em 1881.Depois disso, passou para o serviço clinico de Meynert, no Instituto de Anatomia Cerebral.

Princípios de uma ciência do inconsciente O princípio básico
Não há conduta absurda, não há contra-senso na conduta; o contra-senso é um sentido que se esconde por traz do “Não quer dizer nada”, alguma coisa é dita inconscientemente. O que a análise descobre é a presença de um discurso que, no sujeito e sem ele, fala uma língua desconhecida. O inconsciente, nas suas manifestações, situa-se num campo de linguagem.
Recusar o contra-senso é reenviar qualquer conduta para a esfera do desejo, que é sua fonte.
Se tudo tem um sentido, a ausência de sentido que caracteriza certos comportamentos tem também em sentido. A ausência de sentido não é uma simples ausência, mas uma recusa, visto que o sentido que permanece escondido e que , recusado pelo eu, continua sua vida subterrânea (inconsciente). Isso indica a existência de um conflito no psiquismo. Neste conflito, o eu consciente é um participante e não um observador; ele é a instância que recusa o sentido do inconsciente.
Finalmente, se os produtos do inconsciente nos indicam que o sentido interceptado age como tal e que – fora do consciente – consegue exprimir-se, a cura revela-nos, por suas vez, que a tomada de consciência deste sentido, em certas condições e a sua verbalização permitem eliminar o efeito patogênico.
Em psicanálise, tudo é uma questão de linguagem e sentido. Tudo são palavras... e são palavras que curam a Alma.
Os primeiros passos na via da psicanálise foram verdadeiramente dados com os estudos sobre a histeria, que se seguiram aos ensinamentos de Charcot. A histeria é uma doença que a paciente (durante muito tempo pensou-se que só nas mulheres podiam ser histéricas e Freud provocou escândalo quando defendeu uma opinião contrária) apresenta sintomas de perturbações físicas (paralisias parciais, dores de garganta, tosses, etc...) sem qualquer base anatômica visíveis. Deste modo, a histeria foi considerada durante muitos anos como frescura. Indo contra a corrente, Charcot decidiu tomar os sintomas que observava nas doentes como realidades e não como manhas. Perante a ausência de substratos físicos, Charcot dizia: “Isso não impede que a doença exista.”

Níveis da vida mental ( 1a. teoria do aparelho psíquico)
Muito antes de Freud, alguns filósofos , escritores e médicos já folavam da existência de uma vida mental inconsciente. Freud, entretanto, teve o mérito de assinalar e explicar que a nossa vida mental é constituída por três níveis:
Consciente – É o conhecimento de todos os nossos atos. São os fenômenos mentais que se processam em nossa mente e que tomamos um conhecimento imediato.
Ex.: “Sei que agora estou estudando psicologia”.
Subconsciente – Age como um “arquivo” em nossa mente. No subconsciente estão guardadas todas as experiências por quais já passamos, assim como nossas lembranças e recordações.
Ex.: “ Vejo alguém na rua que me é familiar. Quero lembrar-lhe o nome e no momento não consigo me recordar. Algum tempo depois, eis que o nome surge na minha mente”. Foi um trabalho do subconsciente.
Inconsciente – Nossa mente também é constituída de fenômenos que nos são totalmente despercebidos; eles se realizam em nossa mente sem que saibamos. São fenômenos mentais inconsciente ignora o tempo, assim como a contradição. Possui uma língua de símbolos e sintomas que só a análise consegue decifrar.
O inconsciente designa o lugar das representações recalcadas, que nunca poderão passar à consciência, enquanto o pré-consciente designa simplesmente o que a qualquer momento, é possível tornar-se consciente
.
A personalidade humana (2a teoria do aparelho psíquico )
De acordo com Freud, a personalidade humana também possui três aspectos básicos. A partir de 1920, ele estabeleceu uma segunda teoria sobre as três instâncias (consciente, pré- consciente e inconsciente): Id, Ego e Superego. Mas estes novos lugares não correspondem verdadeiramente aos primeiros. Se o Id parece-se muito com o inconsciente, o Ego e Superego também tem seu lado inconsciente.
Id- O Id é, de certa forma, o reservatório de impulsos, é a parte hereditária e mais profunda do sistema psíquico, onde se encontram os nossos instintos e nossos impulsos amorais, orientando-se para a satisfação desses impulsos; daí Freud chamá-lo pelo nome de princípio de prazer .As tendências do Id, na maioria das vezes, nós ignoramos, pois são inconscientes. Além disso, o Id é alheio a todo e qualquer juízo de valor, é perfeitamente amoral e, deste modo não faz a menor distinção entre o bem e o mal.
Ego- O Ego (ou Eu) tem a função de estabelecer uma ponte entre o Id (as pulsações institivas) e o Superego (as pressões sociais). Servido de Intermediário, o Ego controla e harmoniza essas duas forças opostas, pois ele é a nossa consciência, estando voltado ao mundo exterior – nossa realidade. Assim sendo, o Ego tem por função representar o mundo exterior do Id. Ele observa esse mundo e guarda a recordação (a imagem ) na percepção. A percepção é para o Ego o que o instinto é para e Id. Freud diz: “Na vida psíquica, o Ego representa a razão, a prudência, enquanto o Id representa as paixões desencadeadas.”
Superego- Representa as normas sociais, os valores e as proibições. Está voltado para a nossa consciência moral. Sua preocupação é decidir se alguma coisa é certa ou errada, para que a pessoa possa agir de acordo com os padrões da sociedade. A noção do Superego é uma tradução do fato de que as proibições são interiorizadas no decurso da infância e atuam sem que nós sejamos sempre conscientes. A criança assimila seu Ego a um Ego estranho, é uma identificação: com os pais, educadores, professores, ou qualquer um que possa de modelo ideal. Nas relações com o Ego, o Superego não se contenta em dar conselhos (Faça assim, Seja assim), mas, assim como um “ pai ”, tem a função corretiva e seletiva.

Mecanismos de Defesa
É um processo mental inconsciente que possibilita ao Ego livrar-se da ansiedade ou do stress. Como diz Freud: O Ego, desde seu aparecimento, tem de tentar cumprir sua tarefa de atuar como intermediário entre o Id e o mundo externo, a serviço do princípio do prazer para proteger o Id contra os perigos desse mundo. Então ele se vale de vários métodos para evitar o perigo, a angústia e o desprazer. Esses artifícios são chamados de mecanismos de defesa:

Repressão: Consiste na tendência inconsciente de esquecer ou de repelir, de afastar, de evitar que impulsos, desejos e lembranças desagradáveis se tornem consciente.
Regressão: Algumas vezes as pessoas tentam fazer frente ao um problema através do regresso a maneiras infantis ou primitivas do comportamento – agem como criança. Os adultos, quando não são capazes de encontrar uma maneira “adulta” de resolver um problema, regressam ao padrões que usavam quando criança.
Formação Reativa: (Ou inversão dos motivos) Atitude ou hábito que é oposto ao desejo reprimido. O verdadeiro motivo, se a pessoa tivesse que reconhecê-lo, seria inaceitável – causaria ansiedade insuportável – donde o conflito é resolvido, pelo menos à superfície, convertendo-o em motivo aceitável. Geralmente, este é o oposto do verdadeiro. Se uma pessoa procura muito agradar os outros, se o motivo real pode ser o medo de não agrada-los, e não porque goste realmente. Se uma pessoa for excessivamente boa, ela pode estar muito bem, estar abrigando sentimentos hostis com outras pessoas.
Isolamento: Uma fuga física ou psicológicas inconsciente de uma situação conflitual ou frustradora.
Sublimação: Inconscientemente, a pessoa desvia os impulsos primários para atividades possíveis ou socialmente mais aceitáveis. Exemplo: Uma mulher sem atrativos, incapaz de interessar um homem, poderia tornar-se uma pintora criativa, dessa forma sublimando seu impulso sexual. Todavia, é duvidoso que qualquer impulso primário seja satisfeito por alguma outra coisa que não sua própria meta primária, sendo que, sublimando um desejo, apenas reduz-se a frustração.
Racionalização:(desculpas) A pessoa procura dar uma interpretação racional, uma explicação, coerente do ponto de vista lógica, as idéias, atitudes, sentimentos, emoções ou atos cujo o motivos reais não percebe. A pessoa apresenta desculpas, expõe uma razão diferente da verdadeira para aquilo que esta fazendo. Exemplo, um estudante que foi para a farra ao invés de estudar pode culpar o professor por suas notas baixas, dizendo que ele não ensina bem.
Conversão: É um tipo particular de expressão simbólica, que usa manifestações somáticas para representar não apenas desejos e emoções inconscientes, como também defesas contra a realização dos mesmos. A reação conversiva é um tipo de reação neurótica em que os sistemas são: paralisia dos lábios, perda de sensibilidade em várias partes do corpo e, as vezes, perda da visão. A presunção é que a ansiedade se converteu em sintomas palpáveis.
Fantasia: O devaneio ou fantasia é configuração de confrontação, em que a pessoa procura resolver seus conflitos simplesmente evadindo-os – ou tentando evadir. Na fantasia, imagina coisas da maneira que gostaria de ter – sem conflitos, naturalmente, em lugar do que essas coisas realmente são. Não apenas deixa de pensar sobre a situação real que a torna ansiosa e frustrada, como também satisfaz o motivo frustrado – pelo menos durante algum tempo. A fantasia é muito comum, principalmente entre os adolescentes. Até certo ponto, essa é uma maneira inofensiva de obter alguma satisfação, fugindo temporariamente da realidade. Mas o devaneio raramente conduz à ação construtiva.
Generalização: Consiste em atribuir a um grupo social, povo, raça ou a todo genero humano, verdades desagradáveis que não pode ser atribuídas a uma única pessoa. O indivíduo, ao transformar em universal o que é particular, descarrega sua tensão e se livra do mal estar.
Projeção: (culpar os outros) Transferência de pensamentos, sentimentos e desejos a outra pessoa ou objeto. O indivíduo atribui qualidades aos outros, mas essas qualidades são suas. Aparece sobretudo quando ele está frustrado. O indivíduo reconhece o seu motivo, seu erro, mas o atribui a uma outra pessoa, sob o princípio de que pode aliviar-se da culpa pelo seu próprio motivo inaceitável, projetando-o em alguém. Levada ao extremo, a projeção é a marca da perturbação do comportamento chamada paranóia. O paranóide projeta seus próprios sentimentos hostis sobre os outros em um sistema total de pensamento, no qual julga que estão a persegui-lo.
Identificação: Na identificação, fazemo-nos sentir ou agir como uma outra pessoa e dessa forma passamos a ter e sensação de que atingimos nossas metas, ainda que não seja esse o fato. Quando nos identificamos uma pessoa, não apenas nos sentimos como elas; propendemos a agir como ela. Vestimos os mesmos modelos de roupa, procuramos falar da mesma maneira, e assim por diante.
Simbolismo: Expressão de pensamento inconsciente, que é modificado para atingir a consciência, como sucede nos sonhos. Muitos desejos, idéias e sentimentos podem ser exteriorizados através de símbolos.
Deslocamento: Agressividade dirigida a uma pessoa ou outro ser que não é a causa da raiva, e ela é, assim descontada “em alguém que não tinha nada a ver com a história”.
Compensação: A pessoa simplesmente recolhe a uma atividade alternativa para satisfazer um motivo social. A vida está cheia de compensações por cujo intermédio uma pessoa pode obter satisfações que, do contrário, estariam fora do seu alcance. Exemplo, um homem baixo e franzino pode lutar box como compensação por sua masculinidade, possivelmente ser questionada, ou um homem, achando-se feio tentar compensar isso vestindo-se elegantemente.
Esquecimento:(recalque) O recalque é simplesmente uma recusa de se pensar sobre alguma coisa, poque o pensamento, nesse caso, é desagradável. Se não pensamos sobre a coisa, não a repassamos para a memória e assim a esquecemos. Esquecer portanto, é uma espécie de comportamento de confrontação usado para livrar nossas mentes de memórias ou pensamento desagradáveis. Exemplo, alguém pode esquecer de ir a algum lugar que, na verdade, não quer ir mesmo.

O uso dos Mecanismos
Com certeza já descobrimos em nós mesmos uma certa quantidade dos padrões de confrontação, acima descritos. Todas as pessoas recorrem a eles em uma ocasião ou outra; quando usados em conflitos de menor importância, nada existe que possa causar preocupação, desde que não cause mal a outras pessoas. Se eles fizerem com que nos sintamos mais confortavéis em certas ocasiões, como frequentemente fazem, então, seu valor para reduzir a tensão para nos permitir que sigamos em frente com problemas mais importantes, mais do que compensar os autos enganos triviais que acarretam. Entretanto, se usadas em grande extensão, essas tentativas defensivas para enfrentar problemas são nocivas. Em primeiro lugar, elas jamais resolvem o verdadeiro problema; apenas aliviam nossa ansiedade. Se o problema for importante, deverá ser atacado de frente e não desviado pelo auto engano. Em segundo lugar e que é mais sério, o comportamento defensivo freqüentemente não dissipa a ansiedade. Se certas situações deixam uma pessoa ansiosa, ela se encontrará repetidamente e, mais cedo ou mais tarde, encontrará uma para qual não terá defesa.
Neste caso como alguém que foi despido, ele poderá inundar-se de ansiedade. Um evento dessa espécie, que se chama ataque de ansiedade, é dificílimo de suportar e prejudica muito o funcionamento de uma pessoa.

Curiosidades:
Quem inventou a psicanálise foi mesmo Freud ? Groddeck acreditou, durante um bom tempo, que ele próprio a havia inventado, e não o médico de Viena. Groddeck já praticava a psicossomática desde 1895 e apenas em 1911 ficou sabendo oficialmente das idéias de Freud. Primeiro foi a frustração por alguém ter se antecipado a suas propostas, depois, um breve momento de rejeição e critica publica das noções de psicanálise. Num terceiro momento, reconhece a precedência de Freud e inicia com este uma troca de idéias de 1917 a 1925. Período curto, mais o suficiente para concordância.


Bibliografia:
- Introdução a psicologia ( Clifford T. Morgan)
- A Psicanálise (Charles-Henri Favrod)
- Freud (Pierre-Clancier)
- Vocabulário de Psicanálise (Laplanche & Pontalis)
- Apostila Psicologias (Ana M. Bahia Bock, Odair Furtado e Maria de Lourdes T. Teixeira)
- O livro dISSO – (Georg Groddeck)

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